General Note
Conhecida cantiga que integra o ciclo de João Zorro que tem Lisboa como motivo. Pondo em cena uma voz masculina que anuncia simplesmente ter mandado fazer barcas novas em Lisboa, aí as lançando ao mar, esta composição só aparentemente é simples.Note-se, em primeiro lugar, que, embora formalmente a tenhamos de classificar como uma cantiga de amor (já que a voz é masculina, como se disse), estamos não só bem longe do universo característico desse género, como muito perto do universo das cantigas de amigo (incluindo mesmo, para além da tradicional forma paralelística, um dos seus "marcadores" habituais, o termo velida). Esta simbiose entre os dois géneros é, desde logo, uma das originalidades da cantiga, Uma outra característica muito original é o facto de esta voz masculina não ser a do trovador, como seria de esperar, mas ser, manifestamente, uma voz aposta: a do construtor dos navios, o rei (D. Dinis, como tudo parece indicar). Dar voz ao rei é caso único na lírica galego-portuguesa (e mesmo na lírica em geral).
A composição entra, de resto, em diálogo direto com a cantiga de amigo que os manuscritos transcrevem logo a seguir, e onde uma voz feminina (no caso, a da mãe da donzela) se refere igualmente a estas barcas novas que el-rei de Portugale (...) mandou fazer.
Note-se finalmente que, mais uma vez, a paisagem ribeirinha de Lisboa (em Lixboa, sobre lo mar), longe de ser uma mera circunstância, parece "pintada" com particular atenção e gosto.