Amigas, eu oí dizer

Nota geral

Esta cantiga e uma outra, transcrita apenas pelo Cancioneiro da Vaticana, são de uma originalidade quase única nos Cancioneiros. Trata-se, como uma leitura rápida parece mostrar, de duas típicas cantigas de amigo, aparentemente semelhantes a muitas outras. Mas as rubricas que as acompanham explicam-nos que não é assim: de facto, Gonçalo Eanes do Vinhal alude aqui aos propalados amores da rainha-viúva D. Joana, madrasta de Afonso X, com o seu outro enteado, D. Henrique, irmão do rei. Estamos, pois, perante duas verdadeiras cantigas de escárnio, sob esta subtil e inesperada forma de cantigas de amigo.
Se bem que a alegada relação amorosa entre D. Henrique e a sua madrasta possa não passar de simples maledicência, todas as referências históricas feitas na cantiga são exatas. Na verdade, o monarca e o seu irmão entraram em litígio pouco depois da conquista de Sevilha, ainda no tempo de Fernando III, litígio que se prolongou durante vários anos. A cantiga refere um dos episódios finais da disputa, o recontro que opôs as tropas reais e as de D. Henrique (senhor de Morón), perto de Lebrija, e no qual D. Henrique foi derrotado, derrota que o levou ao exílio, mencionado na segunda cantiga. Os factos passaram-se em 1259, o que nos permite datar com exatidão as duas cantigas.