Nota geral
Dirigindo-se, mais uma vez, a Pero da Ponte, D. Afonso brinca com uma cantiga que o segrel teria composto e cujo tema seria (ao que se depreende) blasfematório, ou, pelo menos, pouco ortodoxo em matéria religiosa. Esse tema (essa tam louca razom da cantiga), o rei só pode explicá-lo pelo excesso de vinho na altura da sua composição, em Vila Real.Nenhuma das composições de Pero da Ponte que até nós chegaram parece adequar-se a estas "acusações". Assim sendo, a terceira estrofe desta composição de Afonso X, com a jocosa diferença que o rei estabelece entre os cantares provençais (modelo que Pero da Ponte teria desdenhado nessa cantiga) e os do segrel Bernaldo de Bonaval (que o segrel teria preferido seguir), torna-se para nós bastante enigmática. Várias explicações têm sido avançadas, todas relacionadas com a Arte de Trovar galego-portuguesa e a sua especificidade, face ao modelo provençal (por exemplo: estará o rei a referir-se a cantares de amigo?). De qualquer forma, é possível que a explicação seja mais simples: dado ser Bernaldo de Bonaval acusado de homossexualidade em várias cantigas (uma delas, aliás, do próprio Pero da Ponte), talvez não seja descabido ver uma alusão, pelo menos em forma de equívoco, a esse universo, naquele "trobar que não é natural", aludido nesta terceira estrofe. A ser assim talvez a estranha cantiga de Pero da Ponte Eu digo mal, com'home fodimalho possa ser, eventualmente, a referência de Afonso X. É uma sugestão meramente conjetural.