Disserom m'hoj', ai amiga, que nom

General Note

Por interposta voz feminina, Paio Gomes Charinho comenta aqui a sua destituição do cargo de almirante-mor de Castela e Leão, que terá ocorrido por volta de 1286/1287.
No caso, a donzela exprime o seu alivio por se ver livre das constantes preocupações que não a deixavam sossegar nem dormir: o vento, as tempestades, ou mesmo as más notícias que alguém, vindo dos campos de batalha da reconquista, lhe poderia trazer (como estar ele ferido ou morto). E exprime então os votos, no refrão, que Deus afaste dos sofrimentos aquele que afastou o seu amigo do mar (manifestamente, o rei).
O marcado caráter (auto-)biográfico desta cantiga (e que nos permite mesmo datá-la com alguma segurança, como dissemos) constitui uma originalidade manifesta. Não sendo esta a única composição em que Charinho faz este tipo de referências (eles surgem, por exemplo, na sua mais conhecida cantiga de amigo), a situação aqui referida, assume, pelo sua dimensão política, um estatuto particular. Na verdade, se as palavras da donzela parecem, à primeira vista, elogiosas para o rei (nunca explicitamente nomeado, note-se), elas são também suficientemente ambíguas para não suscitar dúvidas sobre a possibilidade de serem interpretadas em chave irónica. Se bem que, historicamente, desconheçamos as razões para a saída de Charinho do seu cargo de almirante, estamos, pois, perante uma composição que, muito embora a tenhamos que classificar como cantiga de amigo, poderia eventualmente ter, para os seus ouvintes contemporâneos, um sentido ironicamente crítico. Esta mesma ambiguidade face ao rei é, de resto, muito visível numa outra cantiga do trovador.
Resources "Ateuda"
Ateúda sem finda