General Note
Tenção sobre a Ordem dos Hospitalários, que aqui sofre um violento ataque, feito sobretudo pelo segundo interlocutor, Pero Martins, o qual, respondendo à pergunta inicial de D. Vasco sobre quem era o campeão de vários vícios no interior da Ordem, lhe fornece, sem ambiguidades, os nomes do maior fornicador, do maior avaro e do maior mentiroso, justificando em seguida estas indicações com dados retirados da sua própria experiência.De forma geral, o contexto deste ataque parece relacionar-se ainda com a guerra civil portuguesa, e com o facto de os Hospitalários, depois de terem sido largamente beneficiados por D. Sancho II, se terem passado, de armas e bagagens, para o campo de Afonso III, mal o Papa promulgou a bula de deposição de seu irmão.
Embora a tenção nos apareça, no único manuscrito que no-la transmite (V), sem indicação de autor e no meio de composições de João Soares Coelho, não nos fornecendo assim qualquer dado para a identificação imediata deste D. Vasco, deverá tratar-se efetivamente de Vasco Gil (trovador cujas restantes composições já nas anteriores secções das cantigas de amor e de amigo dos cancioneiros nos aparecem nas proximidades das de D. João Soares). Acrescente-se que Vasco Gil foi, de resto, um dos mais leais partidários do rei deposto, chegando a ser preso pelo Conde de Bolonha, e acabando por se refugiar em Castela, o que parece confirmar ser ele o autor desta composição.
A ser assim, a tenção não pode deixar de relacionar-se com uma outra que o mesmo Vasco Gil manteve com Afonso X, e na qual o monarca faz uma jocosa alusão final a um cavaleiro da Ordem do Hospital, que parece ser o seu próprio interlocutor: a ser assim novamente, e face ao violento ataque à Ordem feito na presente tenção, teremos que pressupor que D. Vasco se teria, mais tarde, dela afastado. E, na verdade, é possível ter sido esse o caso, já que também Pero Martins, o seu adversário, surge efetivamente em documentos da época como comendador da Ordem do Hospital, o que parece indicar que ambos falam do seu interior, mas de uma forma crítica. Marco Piccat, que estudou minuciosamente a questão1, crê, pois, que a composição terá sido feita em Castela, exatamente no círculo de Afonso X, por volta dos anos 1248-52, sendo o seu pretexto a chegada recente de Pero Martins à corte castelhana, com notícias frescas do que se passava em Portugal,
Bibliographic references
1
Piccat, Marco
(1995),
Il canzionero di Don Vasco Gil,
Bari, Adriática