Nota geral
Cantiga relativamente heterodoxa, e por isso mesmo difícil de enquadrar num dos três géneros canónicos da poesia galego-portuguesa, e na qual Paio Gomes Charinho nos traça o retrato do rei, a partir de uma comparação com o mar. O rei em causa será provavelmente Sancho IV de Castela, de quem Charrinho foi almirante-mor, cargo que deixou de desempenhar por volta de 1287 (como, aliás, refere em duas das suas cantigas de amigo). Se o mar ocupa, pois, um lugar particular na obra do trovador (vide também uma das suas cantigas de amor), note-se que esta composição utiliza o tema de forma mais indireta e subtil: na verdade, a comparação entre o rei e o mar que desenvolve, se salienta aspetos positivos do mar (o poder, a generosidade), inclui igualmente muitos aspetos negativos (a crueldade, a força bruta). Também o final da cantiga, apelando para aqueles que a possam bem entender (v. 31), parece reforçar o caráter voluntariamente ambíguo da composição, projetando-a para o terreno da crítica e da sátira.Deve acrescentar-se, no entanto, que uma comparação muito semelhante já está presente nas Partidas de Afonso X (II, Título IX, lei XXVIII - Que semejança pusieron los Antiguos a la Casa del Rey). Se, neste caso, se trata da comparação entre o mar e a Corte, e não especificamente com a pessoa do rei, a similitude dos termos em que ambas são feitas não pode deixar de ser realçada.