Nota geral
Interessante cantiga de amigo, que nos faz ouvir uma voz feminina em clara afirmação de poder. Se o motivo próximo para a fúria da donzela parece ser o facto de o seu amigo a ter trocado por outra (como é dito numa cantiga anterior), nesta composição não há lamentos, mas a reivindicação de um poder (social) muito explicitamente enunciado no refrão: eu vos fiz e eu vos desfarei. Ou seja, esta voz feminina lembra ao amigo que, se ele é quem é, a ela o deve, podendo utilizar o poder que tinha e sabe que continua a ter para o remeter à sua insignificância inicial. E embora tal coisa lhe pese (como diz na finda), será uma vingança apetecida.Independentemente de sabermos se João Peres de Aboim alude ou não aqui a um contexto concreto, a cantiga mostra-nos claramente duas coisas: 1) que o poder feminino podia ser uma realidade nas sociedades medievais ibéricas, sobretudo nas mulheres da aristocracia que sabiam "ler" a rede social em que estavam inseridas; 2) que a figura da donzela nas cantigas de amigo é essencialmente a de uma personagem estilizada, que os trovadores adaptam às mais diversas circunstâncias (incluindo ao teatro do real).